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Pedro Fagundes de Borba

Autor: Pedro Fagundes de Borba

Em seu centro

18/10/2020 - Rio Claro - SP

    Poucos autores conseguiram fazer e registrar aspectos da vida como Jorge Luis Borges. O escritor portenho teve, em sua literatura, um retrato do fantástico e do impossível, às vezes irreais, mas muitas delas reflexo de algo, presença ou mostra de algo difícil de ver ou compreender. Neste contexto criativo, Borges escreveu algumas das mais memoráveis criações literárias de seu século, se tornando referência e dando base para autores latino americanos entenderem a vida a sua maneira, trazerem a tona aspectos da vida não percebidos na Europa ou Estados Unidos, ainda que ele tivesse muito mais apreço pela literatura produzida nestes lugares do que daqui, mas os via a sua maneira. Suas principais obras sendo suas coletâneas de contos, onde ele pôs em colocação muitas das características citadas; também marcou a poesia, pondo poeticamente esta caracterização de mundo e vida. “Elogio da sombra” foi dos poemas em que foi mais feliz nisto.

   Publicado na época em que já estava cego, o poema se baseia na cegueira para ir refletindo e descrevendo a vida, o que já passou dela, como passou, o que era. Lembrando que Demócrito arrancou os olhos para pensar, percebe que o tempo foi se Demócrito, ao lhe arrancar a visão lhe deu estes espaços, estas formas, capacidade de ver as coisas em sua maior profundidade. Fala das ruas de Buenos Aires, o que a cidade era antes, ao que se reduziu, falando por ele, os bairros que ainda lhe sobram, assim também fala sobre mulheres, algumas ruas, e que não há letras nas páginas dos livros.

   Em tal penumbra, que é lenta, não dói, vai sendo, estando em seu centro, o espaço em que se constitui, onde é mais profundamente, onde convergem suas características, onde se percebe mais suas formas e pode esquecer o que está lá fora. Medita Borges sobre os textos da Terra, os quais só terá lido uns poucos, aqueles que continua lendo na memória e transformando. Neste centro, de onde convergiram pontos que o trouxeram a seu secreto centro, vive ali, se percebendo, vivendo, indo cada vez mais para a profunda penumbra, que devia atormentá-lo, mas que é um deleite. Agora pode esquecer, chegando a seu centro, sua álgebra, em breve saberá quem é.

    Falando deste centro fazendo imagem de sua cegueira, Jorge Luis Borges usa a imagem da sombra para mostrar o centro do indivíduo, o espaço em que este se encontra e tem suas características mais profundas ali existentes, passando para vida, o que é de fato este que pondera vê e que interpreta, constitui a vida. Estando neste ponto, Borges fala de algo muito presente no humano que é seu ponto mais profundo, o descreve colocando esta característica, em forma de poema, conseguindo, por isso, mostrar o poético deste aspecto remetendo a algumas das características mais inomináveis, mais indecifráveis do que se entende. Falando deste centro com as formas da literatura, mostra sua totalidade, sua composição, se tornando alguém mais próximo de desvendar este centro.        

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